Desafio Eletrocardiográfico
TAQUICARDIA DE COMPLEXO QRS LARGO, qual seu diagnóstico?
Cristiano Dietrich / Muhieddine Chokr
Paciente de 21 anos, sexo masculino, procura atendimento médico por queixa de palpitações aceleradas e pré-síncope com início repentino há 10min. História prévia de sintomas semelhantes, mas auto-limitados. Sem história de comorbidades. Pai com história de morte súbita aos 45 anos (sem diagnóstico definitivo). Ao exame, lúcido, consciente, eupneico, PA 100/70mmHg, AC ritmo regular 2 tempos, AP MV bem distribuído. O eletrocardiograma realizado no departamento de emergência é demonstrado abaixo:

Resposta D
Inicialmente, ECG demonstra uma taquicardia de complexo QRS alargado com padrão de BRD com três possibilidades diagnósticas: 1) taquicardia supraventricular com aberrância; 2) taquicardia ventricular; e 3) taquicardia pré-excitada. O eixo elétrico do plano frontal, o padrão atípico do BRD em V1, a concordância positiva nas precordiais (V1-V5) e a aplicação dos critérios de Brugada afastam o diagnóstico de taquicardia supraventricular com aberrância. Duas possibilidades diagnósticas são possíveis: 1) taquicardia pré-excitada conduzindo anterogradamente por feixe acessória esquerdo, ou 2) taquicardia ventricular do anel mitral.
Durante a evolução clínica do paciente, houve o aumento dos sintomas do paciente com sensação de desmaio e aparecimento de uma mudança taquicardia irregular (figura 2). A medida de PA demonstrou um valor de 92/56 com palidez cutânea e sudorese, sendo optado pela cardioversão elétrica sincronizada. A análise demonstra um taquicardia com QRS largo irregular com intervalos RR variáveis e alguns extremamente curtos (<220ms) com discretas mudanças nos complexos QRS. A instabilização clínica leva a necessidade da cardioversão.
Figura 2: fibrilação atrial pré-excitada.
A análise do ECG da figura 1 e aplicação dos critérios de Brugada modificado para diferenciação de TV e taquicardia pré-excitada e o uso de critérios de Verekei (análise de aVR) permitem chegar ao diagnóstico eletrocardiográfico de taquicardia conduzida por um feixe acessório. O mecanismo da taquicardia, seja antidrômica verdadeira, seja taquiarritmia atrial com condução bystander pelo feixe acessório, é difícil pela análise apenas do ECG, sendo necessário a avaliação invasiva para diferenciação. A degeneração em fibrilação atrial pré-excitada pode sugerir uma taquiarritmia atrial, como flutter atrial; no entanto, não é possível afastar uma TRAV antidrômica que conduza anterogradamente por um feixe acessório e retrogradamente pelo nó atrioventricular ou um segundo feixe acessório.
Em situações de taquicardia pré-excitadas, a utilização de medicamentos EV, como adenosina, digoxina ou verapamil, devem ser evitadas, além de muita cautela no uso isolado de veta-bloqueadores. Em arritmias estáveis, pode-se usar drogas anti-arrítmicas EV como amiodarona, propafenona ou procainamida com intenção de cardioversão química. A anticoagulação EV ou oral torna-se desnecessária pela ausência de fatores de risco tromboembólicos e curta duração do evento arrítmico.
Após reversão ao ritmo sinusal (figura 3), nota-se um intervalo PR curto (<120ms) e presença de onda delta compatível com diagnóstico da síndrome de pré-excitação ventricular (ou Woff-Parkinson-White). O paciente foi levado a estudo eletrofisiológico com realização de ablação por cateter de feixe acessório lateral esquerdo através de punção transeptal para mapeamento do anel mitral (figura 4). No estudo eletrofisiológico, foi confirmado a presença de apenas uma via acessória.
Figura 3: ritmo sinusal com pré-excitação ventricular.
Figura 4: Ablação por cateter. A- aplicação de radiofrequência com desaparecimento da pré-excitação ventricular demonstrada no ECG e registro intracavitário (cateter decapolar em seio coronário). B- potencial registrado no local de sucesso com fusão dos eletrogramas átrio-ventriculares e presença de discreto potencial de via acessória. C- ECG após ablação com normalização do complexo QRS e intervalo PR. D- posição dos cateteres de eletrofisiologia.