Desafio Eletrocardiográfico

Síncope após propafenona, qual o mecanismo?

Muhieddine Chokr/ Cristiano Dietrich

O Caso
Paciente de 46 anos de idade com crise de palpitações taquicárdicas após feriado de 21 de setembro, procurou o pronto socorro onde foi diagnosticado com fibrilação atrial de alta resposta ventricular, sendo a crise revertida com amiodarona endovenosa. Orientado a procurar seu cardiologista, a avaliação inicial demonstrou laboratório e ecocardiograma sem alterações, no entanto durante o teste ergométrico (TE) no pico do esforço ocorreu a seguinte arritmia (Figura 1) sendo a mesma autolimitada.

Após a alteração no TE, foi solicitado RNM cardíaca que não demonstrou anormalidade. Frente ao diagnóstico de fibrilação atrial paroxística e a hipótese de taquicardia ventricular idiopática, foi orientado ao uso de propafenona 300mg 2 vezes ao dia, e ao esquema pill in the pocket em caso de crise. Evoluiu assintomático por 4 meses, até a ocorrência de nova crise de FA de alta resposta, tendo ingerido em casa propafenona 600mg ( ainda não havia feito uso da dose habitual), 40 minutos após o uso da medicação apresentou episódio súbito de síncope de curta duração ( 2 minutos), sendo socorrido por sua esposa e levado a unidade de emergência.  

Frente ao quadro de síncope após uso de propafenona, e suas ações farmacológicas qual hipótese não é verdadeira?

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Evolução:
Resposta D.

A caminho do pronto socorro o paciente apresentou nova perda de consciência evoluindo com PCR. Na emergência foi submetido à RCP e desfibrilado, o ECG após ser reanimado revelou o seguinte padrão (Figura 2):

 

Submetido a coronariografia que não revelou anormalidades, permaneceu na UTI por 10 dias com recuperação total de sua condição clínica. Na mesma internação foi submetido a estudo eletrofisiológico, e estimulação ventricular programada em S3 induziu FV. O paciente foi desfibrilado e, na sequencia da hospitalização, procedeu-se a desconexão elétrica das 4 veias pulmonares. Após ablação, foi submetido ao implante de desfibrilador na mesma internação, permanecendo assintomático no seguimento de 3 anos.


Discussão:

Pacientes com síndrome de Brugada não manifesta, podem apresentar a manifestação da doença quando fazem uso de medicações bloqueadoras dos canais de sódio, uma fez que essa doença resulta da perda de função desses canais. A farmacologia da propafenona demonstra que seu efeito é máximo nas frequências cardíacas mais rápidas, dessa forma a fibrilação atrial de alta resposta ventricular seria o cenário ideal para a manifestação da doença em pacientes com a forma não manifesta da síndrome “efeito uso dependente direto”. Embora a meia vida da propafenona seja de 8 horas, cerca de 6 % dos pacientes que fazem uso da medicação podem ser mal acetiladores, e a meia vida da medicação pode chegar à 48H. Já se demonstrou em poucos casos, assistolias graves em pacientes que fizeram uso da medicação no esquema pill in the pocket, esses pacientes eram acetiladores lentos e fizeram uso da medicação em associação aos B bloqueadores. Embora rara a fibrilação ventricular pode ocorrer em pacientes que fazem uso da medicação e possuem cardiopatia estrutural. Cerca de 1 % dos pacientes que possuem FA paroxística e fazem uso de pill in the pocket tem conversão da FA para flutter atrial, o mesmo pode evoluir com condução 1:1 e eventualmente simular uma taquicardia ventricular, a alta resposta pode resultar em sintomas de baixo débito inclusive síncope, dessa forma alguns serviços preconizam o uso de B bloqueadores em associação a propafenona para evitar essa condição clínica. A solução salina hipertônica atenua os efeitos da propafenona sobre o sistema excito condutor cardíaco e pode ser utilizada em caso de efeito colateral com a medicação.

Interessantemente a esposa da paciente trouxe durante a internação, uma cintilografia prévia realizada 1 ano antes do evento acima, na qual a fase de estresse feita com teste ergométrico, já revelava o diagnóstico do padrão de Brugada tipo 1 durante a recuperação do teste (Figura 3), no entanto; o diagnóstico infelizmente não havia sido feito. É relatado que o aquecimento da temperatura corporal pode induzir o padrão de Brugada tipo 1 outro mecanismo possível é o aumento do tônus vagal após o exercício.

Figura 3: Fase de recuperação do teste ergométrico em exame de cintilografia revelava o padrão tipo 1 de Brugada um ano antes do evento.


Referência bibliográfica

3 commented on “Síncope após propafenona, qual o mecanismo?

  • Dr HUGO LEONARDO G. PINTO Diz:

    REALMENTE A FIBRILAÇÃO ATRIAL COM ALTA RESPOSTA MASCAROU A PRESENÇA DAS ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS DA SÍNDROME DE BRUGADA . ASSIM SENDO, MESMO COM A EVIDÊNCIA DE TVS MONOMÓRFICA COM PADRÃO MORFOLÓGICO DE BRE E DESVIO DO EIXO PARA DIREITA , O USO DA PROPAFENONA , BLOQUEADOR DE CANAL DE SÓDIO , EXACERBOU O POTENCIAL ARRITMOGÊNICO MALIGNO DA SÍNDROME DE BRUGADA OCULTA , EVOLUINDO COM TVS E PCR ABORTADA . POSTERIORMENTE , AO REGISTRO DO ECG PÓS DESFIBRILAÇÃO , FORAM EVIDENCIADAS ALTERAÇÕES TÍPICAS DE SÍNDROME DE BRUGADA , COMO PRESENÇA DE ‘’ CORCOVA’’ DE TUBARÃO E OU GOLFINHO EM PRECORDIAIS DIREITAS ( PADRÃO DE BRD ) . CONFIRMANDO COM EXATIDÃO O DIAGNÓSTICO.

  • Dr HUGO LEONARDO G. PINTO Diz:

    OUTRA COISA A COMENTAR , SERIA A FALHA NA PERCEPÇÃO DE PADRÃO DA SÍNDROME DE BRUGADA , CERCA DE 1ANO ANTES , DURANTE O TESTE ERGOMÉTRICO . ESSA EVIDÊNCIA DA HISTÓRIA CLÍNICA DO PCT SERIA FUNDAMENTAL PARA EVITAR O USO DA PROPAFENONA E INDICAR MAIS PRECOSEMENTE O DESFIBRILADOR IMPLANTÁVEL ,VISTO QUE ELE JÁ APRESENTAVA EVIDÊNCIAS ECG DE TVNS !! MUITO IMPORTANTE ESSA EVIDÊNCIA NA MUDANÇA DO CURSO DE DOENÇA !!

  • AROLDO TAVARES Diz:

    PARABÉNS PELO CASO, MUITO INTERESSANTE !

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