Desafio Eletrocardiográfico
Taquicardia de QRS largo em jovem. Qual o mecanismo?
Muhieddine Omar Chork / Cristiano Dietrich
Paciente, 15 anos, sexo masculino, episódios de pré-síncope no esforço físico. Antecedente de cirurgia cardíaca há 10 anos para exérese cirúrgica de rabdomioma cardíaco de ventrículo esquerdo. Durante teste ergométrico, apresentou taquicardia de complexo QRS alargado (fig 1) com sintomas de tontura no pico do esforço, autolimitada após 5 min da interrupção do exercício. A fig 2 mostro o ECG em ritmo sinusal. Investigação com RNM cardíaca evidenciou ausência de realce tardio ou recidiva tumoral e FEVE normal.
As taquicardias de QRS largo ( QRS ≥120ms) podem ter diversas causas, incluindo a taquicardia ventricular, taquicardias supraventriculares com aberrância e as taquicardias pré excitadas. Em pacientes sem cardiopatia estrutural, o diagnóstico de TV é confirmado em 80% dos pacientes quando diante de uma taquicardia de QRS largo, ao passo que, quando existe cardiopatia associada, a chance de o clínico estar diante de uma taquicardia ventricular se aproxima a 95%. Dessa modo, o diagnóstico correto acaba por ter implicações prognósticas decisivas. Embora o paciente apresentado tivesse o antecedente de cirurgia cárdica prévia, um achado eletrocardiográfico sugeria fortemente o diagnóstico de taquicardia supraventricular com aberrância de condução (Figura 3). Trata-se da duração do intervalo que vai do inicio do QRS ao pico da onda R na derivação DII, descrito por Pava et al1, quando esse intervalo é inferior a 50 ms, o diagnóstico de TPSV com aberrância é confirmado, com especificidade de 99%1. O principio eletrofisiológico é de que a derivação D2 é paralela ao septo interventricular e de que uma ativação inicial tão rápida obrigatoriamente utilizaria o sistema de condução. No presente caso a observação atenta do ECG sugere fortemente o diagnóstico. A vantagem do conhecimento desse critério eletrocardiográfico, é sua simplicidade no uso, reprodutibidade entre diferentes examinadores, e obviamente como auxilio na tomada de decisão clínica nos diferentes cenários.
Neste caso, o paciente foi encaminhado para estudo eletrofisiológico e a estimulação atrial programada induziu a taquicardia de QRS largo (semelhante à clínica), manobras eletrofisiológicas confirmaram tratar-se de uma via acessória lateral esquerda a qual foi submetida a ablação com sucesso.
1) Pava LF, Perafan P, Badiel M, et al. R-wave peak time at DII: a new criterion for differentiating between wide complex QRS tachycardias,
Heart Rhythm, 2010, vol. 7 (pg. 922-6)
15 commented on “Taquicardia de QRS largo em jovem. Qual o mecanismo?”
Muito legal o caso. Parabéns!
Parabéns ao autor. Muito bom. Taquicardia ortodrômica com aberrância!!!
Caso muito bacana. Parabéns pela iniciativa!
O interessante é que pelos critérios de Brugada, o diagnóstico é compatível com TV monomórfica: além de parecer haver dissociação AV em alguns momentos, a análise morfológica é diagnóstica de TV (morfologia de BRD, com R monofásico em V1 e R/S <1 em V6).
Pra complicar ainda mais, o ECG de repouso não é absolutamente normal, pois mostra uma alteração de repolarização na parede inferior e de V3 a V6, além de um notch no final do QRS em V5 e V6.
Mas não achou que pudesse ser uma taquicardia pré-excitada ou antidrômica – D1 e aVL negativos e padrão de BRD – via lateral esquerda!!
Porque o padrão de Brugada é de TV padrão de Brugada é de TV!!
Olá, Bom Dia! Parabéns pelo caso.
Achei que realmente fosse uma Taquicardia Supraventricular com aberrância (morfologia de BRD), AVr(+) e tempo de ativação ventricular rápida. Mas achei que o diagnóstico fosse de Flutter Atrial 1:1 (principalmente pela cirúrgia cardíaca prévia e FC aprox de 300 bpm).
Abraços
Petrônio
PARABÉNS! CASO INTERESSANTE E ILUSTRADOR. APRENDI MUITO.
Muitíssimo interessante !! Mas ainda assim faria diagnóstico inicial de TV monomórfica !! E com o eixo elétrico desviado para direita ,em vigência da taquicardia de padrão morfológico de BRD , denotando que teria origem em VE , com QRS negativo em parede lateral é positivo em parede inferior , mostrando origem provável na parede lateral do VE !! Além da notada oscilação da amplitude ddo QRS , denotando uma provável via anômala de pré-excitação na parede lateral do VE !! Bastante rica a análise de varios aspectos !!
Interessante !! Assim sendo este paciente teria uma via anômala em parede lateral do VE ,responsável pela TSV com aberrância e ou Taquicardia ortodrômica ,com critérios discutíveis para TV monomórfica !! Caso excelente , rico em detalhes e hipóteses diagnósticas!! Parabéns !!
Caso ótimo ! Paciente realmente não fecha critérios para Brugada para TV já que um deles seria duração do início do QRS ao Nadir do S nas derivações precordiais que tem Rs ou rS maior que 100 ms é isso já não acontece ! Embora o eixo esteja desviado para direita , também há morfologia de BRD, então não contaria como critério morfológico para TV. E nessa velocidade de arritmia ( 250 bpm) não está errado mesmo pensar em flutter , embora tenha pensado em via acessória mesmo que a outra situação que temos frequências tão altas em taqui supra o que justifica inclusive a aberrância de condução!
Muito bom!!! Os aspectos clínicos e os traçados eletrocardiográficos são ricos para a discussão! Excelente!
Critério de Pava
99 %especificidade pra TSV com aberrancia
Início do QRS até pico onda R <50mseg
Excelente !
O rabdomioma é o tumor cardíaco mais prevalente em crianças e é secundário nestes casos à esclerose tuberosa. Mais comumente acometem os ventrículos e eventualmente podem localizar-se no anel AV. Nestes casos é comum o ECG simular uma pré-excitação ventricular. Com o avançar da idade os tumores tendem a regredir. Basta saber se neste caso a via anômala era uma conexão muscular simples ou o resquício de um rabdomioma localizado no anel AV. Parabéns pelo caso!
Toda taquicardia antidromica com frequência de quase 300 bpm pode ser interpretada, no ECG basal, como flutter atrial conduzindo 1:1 com aberrância de condução.
O ECG fora da taquicardia não mostra nenhuma pré-excitação, sabemos que isto pode ocorrer se a Juncão A-V conduzir muito rápido e a via ser lateral esquerda, o que pode ser o caso.
Sugiro colocar os traçados do estudo Eletrofisiológico para demonstrar a conclusão, nos enriqueceria mais.
Muito interessante o caso. Parabéns para o médico que postou.Aprendi mais um pouco sobre o tema.
Muito bom! Parabéns pelo caso e pela iniciativa em compartilhar 😉